A responsabilidade do custodiante pela existência de créditos simulados no âmbito de um FIDC

Em sessão de julgamento de 17 de maio de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) examinou caso concreto em que foi averiguada a existência de operações fraudulentas no âmbito de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) que tinha em sua carteira de investimentos direitos creditórios representados por duplicatas sem relação comercial subjacente. Além disso, as duplicatas não possuíam as informações necessárias para a correta identificação de seu lastro, tais como o número da fatura identificando os produtos ou serviços.

O FIDC deve destinar, no mínimo, 50% de seu patrimônio líquido em direitos creditórios, tais como títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, bem como warrants, contratos e títulos em contratos mercantis de compra e venda de produtos, mercadorias ou serviços para entrega ou prestação futura e títulos ou certificados representativos desses contratos.

O FIDC, que é regulado pela Instrução CVM nº 356, de 17 de dezembro de 2001 (“ICVM 356”), somente pode receber aplicações, bem como ter cotas negociadas no mercado secundário, quando o investidor for “qualificado”, ou seja, a pessoa que possua investimentos financeiros acima de R$1.000.000,00.

O administrador do FIDC tem poderes para praticar todos os atos necessários à sua administração, bem como, mediante deliberação da assembleia geral ou desde que previsto no regulamento do FIDC, contratar serviços de gestão e custódia da carteira.

O gestor é responsável por selecionar os direitos creditórios integrantes do FIDC, mas, nos termos do artigo 8º da ICVM 356, o custodiante é responsável por: (i) validar os direitos creditórios em relação aos critérios de elegibilidade estabelecidos no regulamento do FIDC; (ii) receber e verificar a documentação que evidencia o lastro dos direitos creditórios representados por operações financeiras, comerciais e de serviços; e (iii) verificar a documentação que evidencia o lastro dos direitos creditórios representados por operações financeiras, comerciais e de serviços.

Adicionalmente, as Instruções CVM nº 8 e nº 555 vedam práticas que firam a relação fiduciária dos agentes de mercado com os investidores, como aquelas que os induzam em erro, além de estabelecerem outras obrigações.

No caso sob exame, a CVM entendeu faltar ao custodiante, como o agente responsável pela verificação do lastro dos direitos creditórios, o zelo e cuidado necessários a tais funções, não podendo sua atuação ser meramente formal. Cabia-lhe, portanto, ter tomado todas as medidas para identificar eventuais deficiências na formalização do lastro dos direitos creditórios e corrigi-las.

Em conclusão, o presidente e o Colegiado da CVM decidiram, por unanimidade, aplicar multas para todos os envolvidos na prática fraudulenta, inclusive o custodiante.