Há algumas semanas, Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista britânico, foi nomeado novo Primeiro-Ministro do Reino Unido. Starmer, cuja nomeação põe fim a 14 anos de Partido Conservador no Governo, terá também uma ampla maioria no Parlamento, o que não acontecia desde que Tony Blair era Primeiro-Ministro, há mais de 15 anos. Tal mudança no cenário político britânico gera expectativas de possíveis alterações no cenário de compliance do Reino Unido, o que deve impactar não apenas o ambiente local, mas também diversos outros países ao redor do mundo, inclusive o Brasil.
Diante disso, compartilhamos algumas reflexões do advogado Jonathan Armstrong, sócio do Grupo de Compliance do escritório Punter Southall Law, no Reino Unido, sobre as possíveis mudanças que estão por vir.
Antes da definição da agenda oficial, Jonathan faz comentários sobre as previsões e expectativas de medidas do novo Governo, com base no histórico do novo Primeiro Ministro e nas agendas defendidas por seu Partido.
Entre os vários tópicos abordados por ele no artigo, estão possíveis mudanças no tratamento de temas sensíveis como o combate à corrupção e a aplicação efetiva de leis e regulamentos relacionados a assuntos muito discutidos, como a regulamentação da inteligência artificial e da privacidade de dados e o direito à desconexão nas relações de trabalho.
- Fortalecimento da agenda anticorrupção e combate à criminalidade corporativa:
A aprovação do Bribery Act (Ato Anticorrupção) nos últimos dias do governo de Gordon Brown, em 2010, foi considerada um dos maiores feitos do último mandato do Partido Trabalhista. No entanto, a sua aplicação iniciou apenas no mandato seguinte. Agora, o novo governo tem a chance de mostrar um trabalho voltado à agenda anticorrupção e de combate à criminalidade, considerando, ainda, o conhecimento de Keir Starmer do sistema de justiça criminal, já que ele liderou o Serviço de Procuradoria da Coroa (CPS).
O Partido Trabalhista já se comprometeu a analisar os contratos do último governo, principalmente na aquisição de EPIs (Equipamento de Proteção Individual) durante a pandemia, para verificar possíveis casos de corrupção. Para tanto, o Governo busca a nomeação de um Encarregado Anticorrupção da COVID especificamente responsável por analisar £7,2 bilhões em contratos que causaram preocupação.
O Partido Trabalhista também fez compromissos para aumentar o policiamento e combater a criminalidade, além de reduzir o acúmulo de processos judiciais e aprimorar o sistema carcerário, liberando recursos para o trabalho de persecução criminal e maior aplicação das leis relacionadas, como a antifraude recentemente promulgada.
O governo poderá ter ajuda do novo Diretor do SFO (Serious Fraud Office), autoridade responsável pela aplicação do Bribery Act, Nick Ephgrave que está no cargo desde setembro de 2023 e parece interessado em mudanças, com novas investigações, incluindo medidas persecutórias como buscas e apreensões.
- Regulamentação do uso de inteligência artificial (IA):
Embora a Lei de IA da União Europeia busque regulamentar a inteligência artificial por meio de um novo regime jurídico, o último governo do Reino Unido favoreceu a autorregulamentação. Essa abordagem irá mudar, pois o Governo planeja criar um Escritório de Inovação Regulatória para análise dos desafios da inteligência artificial e apoio aos órgãos reguladores existentes para diretrizes concretas. Podemos esperar uma legislação específica, que pode ser uma versão simplificada da Lei de IA da União Europeia, ainda mais considerando a maioria trabalhista do parlamento.
O Partido Trabalhista também planeja criar uma biblioteca nacional de dados que possa ser usada para dar suporte a aplicativos de inteligência artificial, que poderia se assemelhar ao Rail Data Marketplace criado no último governo para facilitar o compartilhamento seguro de dados da indústria ferroviária.
- Regulamentação em relação à Proteção de Dados:
A proposta de Lei de Proteção de Dados e Informações Digitais não andou no governo anterior, muito em razão da oposição trabalhista a alguns aspectos do projeto de lei. É provável que a proposta de lei seja modificada, removendo algumas de suas disposições mais controversas, demonstrando mais cautela em relação à adequação do Reino Unido à GDPR (Lei de Proteção de Dados da União Europeia), como o relaxamento de alguns aspectos da GDPR para pesquisa e inovação, especialmente em uma tentativa de melhorar o sistema britânico de saúde.
- Transparência no Setor Público:
O Partido Trabalhista propôs a chamada Lei de Hillsborough com um novo dever de franqueza para os funcionários públicos. Além disso, embora não seja um compromisso do manifesto, pode haver uma extensão do regime de Liberdade de Informação (FOI) para entes do setor privado que trabalham para o setor público.
- Comércio e Alfândega:
Em linha com a política da União Europeia, o Partido Trabalhista tem um compromisso no manifesto de revisar as barreiras comerciais e membros prováveis do gabinete de Sir Keir também defendem o uso da legislação existente para examinar mais de perto a origem dos produtos, principalmente os produtos fabricados em supostas condições de escravidão na Região Autônoma de Xinjiang Uygur (XUAR).
Ações mais rígidas em relação à XUAR também podem ser politicamente convenientes para um governo trabalhista que deseja tirar lições de uma suposta falta de apoio aos interesses muçulmanos em alguns círculos eleitorais.
- Direitos trabalhistas:
O Governo provavelmente desejará revisar o regime existente de direito do trabalho nos seus primeiros 100 dias de Governo.
Apesar de improvável que novas diretrizes sejam tão rígidas e rapidamente promulgadas quanto aquelas propostas em algumas partes da Europa, espera-se algum tipo de proposta que incentive empregadores e funcionários a entrarem em acordo sobre o horário de trabalho, proibições de e-mails nos fins de semana e outras medidas que fortaleçam o direito à desconexão (evitando a conexão constante dos funcionários com o trabalho diante do trabalho remoto), visto que Keir Starmer é conhecido por ser adepto do equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional.
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Jonathan é um renomado advogado, sócio do escritório Punter Southall em Londres, líder da prática de Compliance e Tecnologia. Ele também é Professor em international compliance no curso de pós-graduação da Fordham Law School. Sua experiência professional inclui assistência especializada em gestão de riscos e compliance a empresas multinacionais. Jonathan oferece consultoria jurídica em mais de 60 países, cobrindo uma ampla gama de assuntos relacionados à compliance. Jonathan, ainda, é reconhecido como especialista em inteligência artificial e atualmente faz parte da New York State Bar Association, analisando impactos da inteligência artificial no cenário jurídico.